A PREGUIÇA
Chiquinha gosta de cama
Pra amar e pra dormir
Adora ficar deitada
E do quarto não quer sair
Toca a sineta de prata
Manda fechar a cortina
Porque um raio de sol
Feriu a sua retina
Grita meio manhosa
Joga tamancos pro ar
Mandar calar os bicos
Os passarinhos do pomar
Deitada em penas de ganso
Chama a escrava dileta
Traga a refeição da manhã
Quero bandeja completa
Traga também meus lencinhos
Molhados no leite de rosas
Pra desinchar os meus olhos
E deixar minha pele formosa
Abanem-me com minhas plumas
Ponham almofadas pra eu encostar
Quero gozar as delícias
Do meu castelo, meu lar
Nem decreto do Rei Louco
Vai me fazer levantar
Quero ficar repousando
Até meu amor voltar
Mas tem “Gente Graúda” na sala
Pra audiência com sinhá!
Hoje não tô de prosa
Mandem todos passear!
Hoje não faço nada
Vou tirar pra descansar
E juro, se tocar o sino
Mudo a torre de lugar
Marcial Ávila
Quando o João ficava fora
Muitos dias sem chegar
A Chica ficava louca
E se punha a gritar
Preparem logo um banquete
Com tudo o que há na cozinha
Botem assim mesa farta
Que quero cear sozinha!
Não; mudei de idéia
Chamem todo o arraial
Quero que vejam que aqui
Não existe mesa igual
Se punha na cabeceira
Com o povo todo ansioso
E se entupia de comida
Achando maravilhoso
Comia carne defumada
Peixe, frango, leitão,
Doces, pudins, frutas secas,
Vinho, licor, faizão
Todos olhavam babando
Nunca viram tanta iguaria
Mas não podiam servir
Enquanto nhá Chica comia
Prá matar sua ansiedade
Ou saudades do doutor
Comia pelos cotovelos
Até depois sentir dor
Gritava então pras mucamas
Empanturrada feito um cão
Puxem as toalhas da mesa
Quem quiser coma no chão.
Chica olha da sacada
Vê moleque com recado
Fica logo aborrecida
Já pensando em seu amado
Manda pegar o moleque
Seu tal escravo “cabeça”
Botas os pés pras piranhas
O resto, deixar apodreça
Boatos iam e vinham
Sobre o seu fiel doutor
Mas ela não fazia cenas
Na frente do seu “sinhô”
Planejava às escondidas
Nas noites de insônia que tinha
Tudo o que o ciúme ditava
Em macabra ladainha
Mandou enterrar a irmã
Do moleque do recado
Viva, de pé no quintal
Como troféu do pecado
Deceparam-lhe a cabeça
Logo cedo de manhã
Enquanto a Chica cuidava
Da sua pele de avelã
Outra, teve outro destino
Não muito longe dali
Foi jogada por “Cabeça”
No poço prá sucuri
Um dia viu um casal
De negros do seu “rebanho”
Que carregavam na bateia
Filho branco a tomar banho
Logo ficou furiosa
Isso não é possível não
Julgou ser filho do amado
E o lançou no ribeirão
Jogou na vida outras tantas
Que lhe cruzaram o caminho
Apenas abrindo a boca
Pro resto se cumprir sozinho
E um dia humilde escravo
Lhe olhou por um instante
Mandou castrar o negrinho
Pra não ser tão petulante
Esta é a Chica que manda
Manda em tudo quanto há
Pois ela controla o povo
Mas não sabe se domar.
Marcial Ávila
Sou bonita, tenho ouro
Diamantes, roupas, castelo
Tenho de todo o distrito
O homem mais rico e mais belo
Sou mulata, não sou branca
Podem torcer o nariz
Se eu quiser pinto a cara
Branca, alva feito giz
Não piso no chão sem tapete
Não ando sem cadeirinha
Se quiser rezar, tenho capela
Pra Santa Quitéria, mas minha!
Não faço, mando fazer
Pois tenho doze mucamas
Já comprei escrava branca
Só pra afrontar as “tais damas”
Se meu cabelo é carapinha
Ninguém nunca vai saber
Raspo a cabeça, uso peruca
Na cor que bem entender
Se o sol me irritar
Sob a renda da sombrinha
Me banho de ouro em pó
E o cego, pois sou rainha
Sapatos, nem sei quantos tenho
Vestidos, perdi a conta
Com o brilho dos diamantes
Já ando até meio tonta
Gosto de me mostrar
Com luxo, com esplendor
E o povo corre pra ver
A sua rainha de cor
A banda vai lá na frente
Da procissão que é só minha
E vozes ecoam no ar
És rainha... és rainha!
Chica já tem casa
Jóias, diamantes, coroa
Já tem corte com escravos
E se veste qual pavoa
Anda sempre irritada
Acha pouco, ela quer mais
Quer igualar-se as rainhas
Com seus ouros e cristais
Tem capela, tem igreja
Com santo, anjo, e querubim
Tem banda, tem procissão
Com os seus toques de clarim
Ela diz ao seu amante
Sou a “Dona das Gerais”¿
Pois me faça um castelo
Com torre e com vitrais
E o castelo então se ergue
Com teatro só pra ela
Mostrando à sua amada
Sua corte entre as mais belas
Mas ela ainda tinha um sonho
Sonho bobo quase infantil
Pisar areia branca
E do mar ver seu anil
A ele não podia ir
Devido a sua condição
E sua cabeça rodava
Com tamanha humilhação
E como não se detinha
Diante
De nenhum obstáculo
Recorreu ao seu amado
E este fez o espetáculo
O amor do João Fernandes
Que por ela era infinito
Lhe deu então seu presente
E talvez o mais bonito
E a “Rainha do Tijuco”
Que não perdia batalha
Teve seu mar com um navio
E seu castelo na Palha.
Marcial Ávila
Chica desceu à senzala
Banhou-se em ervas então
As negras faziam feitiço
Soprando sobre o coração
Então se fez sedutora
Mostrando seu corpo pro céu
Suas formas brilharam pra lua
Tão quentes debaixo do véu
Primeiro encantou Sardinha
Depois ao João enlouqueceu
Ele fez dela rainha
Ela fez dele só seu
Deitava em cama dourada
Coberta de rosas assim
Ali prendia seu homem
Por dias e noites sem fim
A lua brilhava lá fora
Branca, branca, deslumbrante
Mas na cama ela ascendia
Como o sol do seu amante
A ele nada negava
Tendo-o sempre saciado
Pois assim jamais veria
Outra mulher ao seu lado
As mucamas silenciosas
Andavam pelos corredores
Pois se incomodassem a sinhá
Dela sofreriam as dores
E assim passou o tempo
E ela não envelhecia
Dizia sempre se gabando
Que na cama renascia!
Chica acorda entre brocados e o
Peito nu do seu amante
O galo já canta, pois é tarde
E o sol brilha radiante
Vem lhe servir escrava nova jeito
Doce, rara beleza
Tudo está ao gosto da chica flores,
Frutas frescas em sua mesa
Eis que os negros lábios abrem
Mostrando um tesouro assim
Que encanta ao contratador
o tal
Sorriso de marfim
A Chica que não era santa
Põe logo a mesa abaixo
Perde o humor, expulsa a negra
E sua inveja se agigante
Corre diante do espelho
Sorri, não se satisfaz
E logo em seu pelourinho
Faz valer o capataz
Arranquem os dentes da negra
Um a um que eu quero ver
Se ela serve ao meu homem
Com sorriso de prazer.
Saindo de lá, nos despedimos do pessoal e fomos conhecer a casa onde Juscelino Kubitschek nasceu, e onde hoje funciona um museu em sua homenagem. O acervo é mais completo e você pode ver uma réplica da cozinha da época, do seu consultório e da sua biblioteca. É bem legal!
Saindo da casa do JK você se depara com essa vista maravilhosa!! Ao lado, tem um mirante bem bacana também.
Oi, Poly e Virgílio.
ResponderExcluirAdorei estas fotos e mais ainda a poesia e os quadros. Quase não se fala mais em Chica nas escolas (acabei de confirmar com minha irmã mais nova!). Lembro que quando eu era criança até no Castelo Ra-Tim-Bum a bruxa Morgana comentou sobre ela e eu fiquei feliz por saber quem era aquela ex-escrava que conseguiu ser tratada como mulher, e não objetivo... claro que na época não sabia isso! Rs
Adoro histórias e exposições de coisas que foram "próximas" a nós.
Parabéns...
Beijos.
Corrigindo meu português...
ResponderExcluirSubstitua objetivo por OBJETO!! :)